Mais sobre o Adolescente
A adolescência tem sido vista socialmente como uma fase do desenvolvimento que apresenta características muito especiais, tais como rebeldia, crise de identidade, irrupção da sexualidade, questionamento, ousadia, tendência grupal e tantas outras. Sem dúvidas, você não negará que, em se tratando de um adolescente, tais características de comportamento são esperadas. Mas o que define a adolescência? Como podemos compreender estes comportamentos nos jovens?
Conforme vimos no primeiro artigo dessa série, o início da puberdade marca uma série de modificações na criança, tanto físicas quanto psicológicas. Essas mudanças físicas lhe despertam um sentimento de estranheza uma vez que ela passa a ser uma novidade para si própria e vai buscar uma nova identidade enquanto procura se reconhecer.
Os adolescentes são vistos como desorganizados e desajeitados em função das rápidas mudanças corporais que vivem. Internamente, sentem-se ainda pequenos. Externamente, são grandes e sexualizados. Muitas vezes, têm condutas inadequadas e parecem bobos ou distraídos. A entrada na adolescência é um momento de despedida da identidade infantil.
Esta passagem do mundo infantil para o mundo adulto é uma fase de desenvolvimento da personalidade por meio de uma reorganização da identidade. Segundo a psicanálise, a adolescência é o momento crucial da vida do homem pois constitui a consolidação do processo de desprendimento iniciado no nascimento.
O grupo social
A necessidade de união por semelhança com outros jovens é um recurso do adolescente para se desvencilhar da filosofia de sua família, algo que é parte deste processo de busca de uma nova identidade. Rejeitar a família e integrar-se ao grupo social, a despeito de não ser um movimento duradouro, dá segurança ao jovem. Essa união com seus semelhantes, indivíduos que se encontram no mesmo período de desenvolvimento, contribui para a percepção e o reconhecimento de si mesmo por parte do adolescente.
As interferências dos pais no modo de ser do jovem são sentidas por ele como diminuição de sua individualidade, uma redução à infância. Sabemos que a identidade tem um polo individual e outro social. Individual pois implica na constituição de uma representação de si mesmo e de um sentimento de auto-estima. Social por suas diferentes modalidades de filiação a grupos, diferentes papéis desempenhados pelo jovem, além da representação profissional.
O pensamento abstrato
Especificamente sobre a maturação intelectual na adolescência, é interessante lembrarmos que é nesse período que o púbere começa a poder pensar sobre hipóteses e proposições. Assim, ele não precisa mais pensar restrito ao concreto, ao que ele vivencia, pois ele se torna capaz de pensar sobre o próprio pensamento. É a conquista da capacidade de reflexão. Com isso, abre-se um novo mundo para essa criança. E ele vai definir quem é nesse novo e gigantesco mundo que se abre. As amizades são um apoio indescritível nesse momento!
Outro aspecto que chama a atenção nesta fase da vida é o fato de os adolescentes serem sensíveis ao prazer e ao sucesso assim como o são para o sofrimento, experienciando estes sentimentos intensamente. A adolescência é a fase do entusiasmo, da alegria e do desejo de provar-se. E da frustração extrema quando o jovem se sente fracassar em qualquer aspecto.
A psicoterapia, neste sentido, é extremamente benéfica ao adolescente. São muitas mudanças num curto período de tempo. Pode ser difícil lidar com todas elas.
O processo de maturação do ser humano, além de implicar na redefinição de sua identidade por parte da criança, também exige mudanças na família e na sociedade, uma vez que elas passam a ver o jovem e a serem vistas por ele de outra forma.
A Formação da Identidade do Adolescente no Sistema Familiar
Dando foco especificamente à questão familiar, o despertar da adolescência dos filhos pode significar para os pais a retomada de aspectos de suas próprias vidas. Por isso, a adolescência de um membro mexe tanto com a família. A adolescência é, além de uma etapa de reconhecimento de si mesmo para o jovem, um momento de reconhecimento para toda a família.
Na adolescência de um filho, os pais não podem mais impor uma autoridade completa. Nesta faixa etária os jovens abrem a família a uma imensa gama de novas possibilidades ao trazerem amigos e novos valores e ideais para a arena familiar, até então regida apenas pelos pais. Esse caminho tende a se acentuar cada vez mais, com o amadurecimento, crescimento e independência dos filhos.
É fundamental, nessa fase, modificar os relacionamentos progenitor-filho para permitir ao adolescente movimentar-se para dentro e para fora do sistema. A ambivalência e a resistência dos pais e da sociedade em aceitar o processo de crescimento podem ser dificultadores do mesmo. Não podemos centrar a análise deste processo exclusivamente no próprio adolescente.
“São as dificuldades do adulto para aceitar a maturação intelectual e sexual da criança o que leva a qualificar a adolescência de idade difícil, esquecendo de apontar que é difícil para ambos, filhos e pais. É demasiado chamativo, ainda, que só se tenham assinalado até agora os aspectos ingratos do crescimento, deixando de lado a felicidade e a criatividade plenas que caracterizam também o adolescente” (Aberastury, 1983, pág. 17).
Mais sobre o adulto-jovem
Passado essa difícil fase de reconhecimento de si na adolescência, o indivíduo atinge a maturidade. Ele está seguro emocionalmente. Ufa! Nesta fase, há a possibilidade de criação de novos papéis, o despertar de papéis adormecidos, o crescimento de papéis incipientes ou ainda a revogação de papéis já maduros. Tudo isso vivenciado por um corpo forte, saudável e emocionalmente estável.
A definição da identidade ocupacional é parte deste processo de formação da identidade vivenciado pelo adulto-jovem. Parafraseando Erick Erickson, a identidade ocupacional é uma parte da identidade pessoal. O processo de estudo e trabalho são meios de ascensão a papéis sociais adultos.
O início e a progressão satisfatória da fase adulta dependem da resolução das tarefas do estágio adolescente. Fatores pessoais e psicológicos (tais como confiança, autonomia, competência, auto-estima e esperança) que emanam de um ambiente adequadamente contendor, são essenciais em qualquer estágio de desenvolvimento e, particularmente neste estágio de início de vida adulta, tão arriscado.
Assim sendo, embora tenhamos visto na parte I deste artigo que os jovens adultos são comumentemente vistos como maravilhosos e cheios de potencial, é fundamental pontuar que nem tudo é só alegria e nem sempre é fácil passar por essa fase da vida. O medo do sucesso, por exemplo, é um sentimento bastante comum. Se, por um lado, estes adultos buscam posições vitoriosas, por outro têm verdadeiro pânico ante à responsabilidade. Um adulto jovem que ainda não está comprometido com um caminho profissional fica vulnerável à dúvida em relação a si mesmo, à perda de auto-estima e à depressão.
Alguns jovens procuram a psicoterapia como um pedido de socorro afetivo.
Assim como na adolescência, sabemos que as mudanças de um membro provocam mudanças em toda a família. Por isso, também ao refletir sobre os jovens adultos é preciso pontuar a influência das relações familiares na passagem por essa fase da vida.
A Formação da Identidade do Jovem Adulto no Sistema Familiar
O processo de independência dos filhos adultos-jovem sofre influência da própria experiência dos pais no seu próprio processo de independência. A psicologia sistêmica nos ensina que “o grau em que os pais controlaram a luta pela independência em relação aos próprios pais (...) terá um importante efeito no grau em que poderão permitir uma autonomia e independência maiores em seus próprios filhos. O grau em que os pais enfrentaram e resolveram as questões de limitação e coação nos objetivos profissionais em sua própria crise no meio da vida terá um profundo impacto no grau em que poderão tolerar a aparente ‘perda de tempo’ quando o filho resolve experimentar diferentes identidades profissionais. Finalmente, quanto mais satisfatoriamente os pais, como marido e mulher, estão renegociando as questões de intimidade em seu ‘ninho vazio’, mais capazes serão de tolerar as variações, os excessos e as crises na exploração da sexualidade e intimidade na qual seus filhos adultos jovens estão empenhados” (Carter e Mcgoldrick, 1995, pág 173).
A fase do lançamento é o período em que os filhos deixam a casa para serem independentes. No passado, esta fase normalmente se misturava com o casamento, uma vez que os filhos não saíam de casa até casarem. Atualmente, no entanto, muitos jovens passam por um período em que são adultos solteiros. Esta fase é a base do ciclo de vida da família moderna, e crucial para outras fases que estão por vir. Pular esta fase, ou prolongá-la, pode afetar todas as futuras transições de ciclo de vida e de formação da identidade de uma pessoa.
O processo de maturação do jovem adulto, que muitas vezes culmina com a saída deste jovem de casa, exige três mudanças fundamentais, que podem ser assim resumidas: diferenciação do eu em relação à família de origem; desenvolvimento de relacionamentos íntimos com adultos iguais; e, estabelecimento do eu com relação ao trabalho e independência financeira.
Em somatória, aos pais que lançam os filhos à vida e devem seguir em frente cabem também três mudanças centrais que garantirão o contínuo desenvolvimento familiar: renegociar o sistema conjugal como díade; desenvolver relacionamento de adulto-para-adulto com os filhos crescidos; e, realinhar os relacionamentos para incluir parentes por afinidade e netos.
Na fase de jovem adulto, os problemas familiares normalmente centram-se na falta de reconhecimento, seja do jovem adulto, seja dos pais, da necessidade de mudar para uma forma de relacionamento menos hierárquica, baseada no fato de agora todos serem adultos. A dificuldade em mudar para a relação adulto-adulto pode assumir a forma de os pais encorajarem a dependência de seus filhos adultos jovens ou de os jovens adultos permanecerem dependentes, por exemplo. Outra forma de expressão dessa dificuldade, é a rebelião por parte do jovem, o afastamento abrupto, num rompimento de relações pseudo-independente com seus pais e famílias.
Um exemplo é o caso de jovens adultos que rompem relações com seus pais. Nesses casos, geralmente o rompimento é feito de forma reativa. Rompimentos de relação jamais resolvem relacionamentos emocionais, ou seja, jovens que rompem com suas famílias, de fato, ainda estão vinculados emocionalmente ao “programa familiar”, e não independente dele.
Ao sair da família e começar a estabelecer uma identidade nos mundos de trabalho e dos relacionamentos íntimos, o sucesso provavelmente é mais determinado pelo grau, qualidade, tom e integralidade com que os relacionamentos familiares originais (com os pais, irmãos e outros parentes) são renegociados, do que por qualquer outro fator.