Tomar uma decisão, qualquer que seja ela, implica num posicionamento de quem a toma. Fazer uma escolha significa optar por A e abrir mão de B, C, D… Já escrevi algumas vezes sobre isso. Nenhuma novidade até aqui.
As novidades começam quando associamos a necessidade de posicionamento (condição sine qua non à escolha) a um mundo que forma pessoas cada vez menos capazes de fazer escolhas… Estamos diante de uma realidade completamente paradoxal.
O mundo VUCA - sigla derivada do inglês para mundo Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo - no qual vivemos não desenvolve a autonomia de nossas crianças e jovens, mas é o mesmo mundo que cobra esse EU autônomo! Eis o contexto paradoxal.
Questionar é um imperativo recente na nossa sociedade. Em anos remotos, ao contrário, o padrão era não contestar. Cada vez mais temos real liberdade para decidirmos e fazermos escolhas: como viver, o que fazer, com quem viver, o que vestir. Até pouco tempo atrás, as escolhas e supostas opções que tínhamos eram muito pouco nossas - antes do nosso desejo, havia determinações sociais, familiares, econômicas.
Essa nova realidade é ótima, uma conquista do mundo moderno. Tem sido cada vez mais fácil sair da caixinha e fazer escolhas que contradizem os padrões. Espero que continue assim. Mas, com essa liberdade, aumenta a ansiedade. Se eu realmente posso ser tudo, então a escolha passa a ser minha e eu tenho que me posicionar. Diferentemente dos meus pais, que seguiram um caminho que já estava sinalizado, ou de meus avós, cujo caminho era indicado, ou de meus bisavós, cujo caminho estava determinado.
Outra característica decorrente desse mundo VUCA é o modelo de consumo da nossa sociedade: joga fora e compra um novo. A despeito das cada vez mais intensas campanhas de consumo consciente e cuidado com o desperdício, esse modelo se encontra enraizado nas nossas relações afetivas. Ou seja, se por um lado somos bombardeados por campanhas contra o consumismo de bens materiais, em outras situações da vida estamos usando esse modelo cada vez mais. É o caso dos nossos relacionamentos, das nossas carreiras e dos cursos que escolhemos.
Quanto casais você conhece que romperam o relacionamento diante da primeira dificuldade? Joga esse fora e arruma um novo. E empregos descartados, você já viu? O chefe é chato, o trabalho não é desafiador, não era bem isso que eu esperava… Ou, ainda, muitos jovens em sua segunda, terceira ou quarta faculdade não terminada. O problema são as escolhas das pessoas, ou o modelo de consumo da nossa sociedade?
Buscamos continuamente o frisson, a excitação e o estímulo que uma relação nova nos provoca; não valorizamos e tampouco nos preparamos para a rotina, para o conhecido e para a falta de surpresas - em todas as áreas da vida. E agora?
Outras características do mundo VUCA, que também interferem no nosso despreparo para a tomada de decisões são:
Adultecência: adultos infantilizados, que evitam crescer. Caracteriza-se por uma insegurança em relação ao futuro e um temor profundo por assumir responsabilidades. Os jovens têm adiado esse crescimento, em parte por uma hipervalorização social pela juventude. Mas o fenômeno é também incentivado pelos pais, que aceitam e reforçam e adultescência dos filhos (será que a tomada do papel de adultos por parte dos filhos os tornará velhos?). Um exemplo dessa tendência é a constante presença de pais e mães em campi universitários. Os pais se tornam necessários para resolver problemas da vida universitária de filhos que não podem/ sabem/ querem fazer isso sozinhos.
Ainda do ponto de vista da educação e da relação entre pais e filhos, a Ausência X Superproteção é outro aspecto que chama atenção. Pais tem se mostrado ausentes na educação de seus filhos por um lado e superprotetores por outro. Sentem culpa pela ausência (decorrente dos esforços com o trabalho - para garantir consumo, diga-se de passagem) e por isso acabam sendo permissivos. Crianças podem comer só o que querem, ganham o presente que querem (e fora de situações que justifiquem presentes), e assim escolhem o tempo todo - mas escolhem buscando satisfação imediata - um tipo de escolha que exige recursos internos bem diferentes da escolha profissional.
A superproteção parental deve-se, fundamentalmente, ao medo em relação à segurança e ao excesso de cuidado. As crianças tem mil atividades a fazer, todas em escolas e espaços adequados e com transporte particular garantido. Elas não estão sujeitas a nenhum tipo de risco, e por isso não aprendem a lidar com a realidade nem a tomar decisões. São as escolhas pequenas e cotidianas que irão ensinar à criança os recursos necessários para as grandes decisões no futuro.
Estamos educando crianças que não vivenciam conflitos e as privando de ter que tomar pequenas decisões. Está tudo determinado para elas: o presente para a festa do amigo já foi comprado, o taxi/ a mãe/ motorista já está esperando na saída na natação, a empregada já preparou o lanche, e assim por diante.
Os jovens hoje lutam menos pela independência, pois sua vida social está satisfeita por um celular. Não há a necessidade de sair da casa dos pais, de viver sozinho ou com amigos para se ter liberdade. A liberdade se dá atrás da tela, por meio de logins e senhas. A sociedade de consumo, mencionada acima, também incentiva a permanência na casa dos pais: gasto meu salário com aquisições e novidades tecnológicas. Nada de pagar contas e viver sozinho!
Parece-me que o mundo digital também esteja imprimindo uma característica sua à escolha profissional: a cultura da tentativa e erro. Eu não preciso tomar uma decisão, eu testo! Assim como um novo celular. Eu não leio manual, eu vou testando…
Para terminar, faço questão de destacar outra característica do mundo VUCA que interfere na habilidade de nossos jovens de crescer e escolher: a cultura bipolar. Nossa sociedade parece estar cada vez mais depressiva, mas expressa por meio de redes sociais apenas momentos de extrema alegria. Oscilamos entre a mania e a depressão. É como se nosso estado real, permanente, fosse a depressão. Mas, eu me engano (e engano os outros) com momentos barulhentos, para fora, com espetáculos de felicidade extrema. É o Show do Eu, o estado de Mania. Os shows alheios aumentam a minha depressão, e os meus a dos outros. Há uma intensa falta de contato pessoal nas redes sociais: comigo mesmo e com os outros. E assim, muitos jovens vivenciam um vazio moral e existencial.
Adultos depressivos são o modelo que os jovens têm. E isso eles não querem. Entrar na universidade é a entrada no mundo adulto. Talvez por isso, também, seja tão difícil escolher a carreira…
Quando recebo jovens clientes em meu consultório, tenho ciência de minha responsabilidade. Sou um modelo para ele, e tenho a oportunidade de mudar o modelo padrão. Gosto do meu trabalho, gosto de trabalhar e não sou depressiva. Faço a mediação entre o universal e o particular e tenho o privilégio de poder dar um exemplo fora do padrão. No caso dos meus clientes, o particular é muito positivo! Ufa!